segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Deus, segundo Krishnamurti

Liberte-se do condicionamento natalino

Como cristãos vocês foram criados no seio de uma igreja erigida pelo homem há cerca de dois mil anos, com seus padres, seus dogmas e rituais. Na infância foram batizados e quando cresceram lhes foi dito em que acreditar; vocês passaram por todo esse processo de condicionamento, de lavagem cerebral. A pressão dessa religião propagandista é, obviamente, muito forte, sobretudo porque ela é bem organizada e apta a exercer influência psicológica através da educação, de adoração de imagens, do medo, e capaz de condicionar a mente de incontáveis maneiras.

(…) A mentalidade religiosa não é a mentalidade hindu (…) cristã (…) budista, muçulmana.

(…) A mente religiosa é completamente só. Ela já compreendeu a falsidade das igrejas, dos dogmas, das crenças, das tradições. (…) É explosiva, nova, fresca, sã. A mente sã, jovem, é extraordinariamente maleável, sutil, não tem âncora. Somente ela pode descobrir o que se chama “Deus”, o que é imensurável.

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O Deus por vós inventado não é Deus. A coisa feita pela mão, a imagem do templo, não é Deus, e também a coisa “feita” por vosso pensamento não é Deus. E é disso que viveis: da imagem feita pela mão ou pela mente.
 
Eu nunca disse que não há Deus. Tenho dito muito claramente. Para descobrir se há ou não há Deus, é necessário abolir, apagar da mente todo e qualquer conceito relativo a Deus. (…) precisais apagar da mente todas as “informações” que tendes a respeito de Deus.
 
Minha doutrina difere (…). Eu nunca disse que não há Deus. O que eu disse é que só existe Deus conforme se manifesta em cada um de nós, e que, quando houverdes purificado aquilo que está dentro de vós mesmos, achareis a Verdade. É claro que Deus existe; mas não vou empregar a palavra Deus, porquanto ela assumiu um significado muito especial e estreito.
 
Senhores, Deus não é uma coisa que se pode adquirir como se adquire (…) uma virtude. É algo incomparável, atemporal, inimaginável, inefável: não podeis ir a Ele. Ele deve vir a vós, e tão somente quando o vosso espírito não mais está buscando. (…) Quando a mente já não compara, não adquire - só a essa mente que está tranqüila pode a Realidade manifestar-se; (…). Tereis (…) a mente que já não compara, já não adquire, a mente que ingressou num “estado de ser” - e nesse ser a Realidade penetra.
 
Conseqüentemente, em vez de perguntar quem atingiu o real ou o que é Deus, por que não aplicais toda a vossa atenção e vigilância ao que é? Encontrareis então o desconhecido, ou, melhor, ele virá ao vosso encontro. Se compreenderdes o que é conhecido, experimentareis aquele silêncio extraordinário, não provocado, não forçado, aquele vazio criador, no qual, e só nele, a realidade pode surgir. (…)
 
Vereis, pois, que a realidade não está longe; o desconhecido não está longe de nós; ele se acha em o que é. Assim como a solução de um problema se encontra no problema, assim também a realidade se encontra em o que é; se podemos compreendê-lo, conheceremos então a verdade.
Pode-se, pois, descobrir o que é criação, ou Deus (…)? (…) A criação liberta a mente da mediocridade e da deterioração. E se é este o estado que procuro, necessito de visão muito clara, a fim de não criar ilusão e de libertar a mente para o verdadeiro descobrir; o que significa que ela, a mente, deve achar-se totalmente tranqüila, para descobrir. Porque o estado criador não pode ser chamado; ele tem de vir por si. Deus não pode ser chamado: ele deve vir. Mas não virá se a mente não for livre. (…)
 
Para mim há Deus, uma vivente, eterna realidade. Mas essa realidade não pode ser descrita; cada um precisa realizá-la por si. Quem quer que procure imaginar o que é Deus, (…) a verdade, apenas está procurando uma fuga, um abrigo da rotina diária do conflito.
 
Cuidado com o homem que tenta descrever essa vivente realidade; ela não pode ser descrita, tem de ser experimentada, vivida.
 
Se uma vez houverdes entrado, houverdes respirado a frescura, a serenidade, a tranqüilidade desse Reino, então aquelas coisas que são reais, (…) o fôlego da vida (…) nunca poderão ser esquecidas. (…) Somente então é que podeis saber que não estais seguindo cegamente as pegadas de outrem; somente então é que estais seguindo o Absoluto, o Eterno. Somente então sereis uno com Aquele que tem o seu ser em todas as coisas. (…)
 
Nada há de sagrado no templo, na mesquita, nas igrejas. É tudo invenção do pensamento.
 
Aquilo que é sagrado não tem divisão alguma, não separa um indivíduo como cristão, outro como hindu, budista, muçulmano. O que o pensamento há produzido pertence ao tempo, é fragmentário, não é total e, por conseguinte, não é santo; ainda que vocês adorem uma imagem na cruz, isso não é sagrado; tem sido revestido de santidade pelo pensamento; o mesmo sucede com as imagens criadas pelos hindus, budistas e assim sucessivamente.
 
Para mim, a palavra "sagrado" tem extraordinária significação. Mas não quero fazer propaganda desta palavra. Tendes de percorrer sozinho esse caminho, não verbalmente, porém realmente. E, quando não houver mais ciúme, nem inveja, nem a tortura do desespero, sabereis então o que é o amor e vos encontrareis com aquilo que pode ser chamado o Sagrado.
 
Um grande rio pode poluir-se quando, em seu curso, atravessa uma cidade, mas, se não for demasiada a poluição, poucas milhas além as suas águas estão de novo limpas, frescas, puras. De modo idêntico, depois que a mente se encontra com o Sagrado, todo ato seu é então um ato purificador. Com seu próprio movimento a mente se está tornando inocente e, por conseguinte, não está acumulando.
 
Sustento que há uma Vida eterna, que é a Origem e a Meta, o começo e o fim e que, não obstante, não tem fim nem começo. Só nessa vida há plenitude. E quem quer que a preencha tem a chave da Verdade sem limitação. Essa Vida é para todos. Nessa Vida entrou o Buda, entrou o Cristo. Do meu ponto de vista, eu atingi, entrei nessa Vida. Essa Vida não tem forma, como a Verdade não tem forma, não tem limitação. E a essa Vida todos teremos de voltar.
 
O temor nos leva a ajustar-nos à opinião pública, ao que os outros dizem, ao que disseram Buda, Cristo, os grandes santos - o que demonstra nossa natural tendência à adaptação, à busca de proteção e segurança. Quando buscamos a segurança, é evidente que nos achamos em estado de temor e por isso não existe simplicidade.
 
Quando a mente põe completamente de lado todo o conhecimento que adquiriu, quando para ela não existem Budas, Cristos, mestres, professores, religiões, citações, quando a mente estiver completamente só, não contaminada - o que significa que o movimento do conhecido cessou - só então haverá a possibilidade de uma tremenda revolução, de uma mudança fundamental. Tal mudança é obviamente necessária; e somente uns poucos, vocês ou eu ou X, que realizamos em nós mesmos esta revolução, somos capazes de criar um mundo novo. Não os idealistas, não os intelectuais, não as pessoas dotadas de grandes conhecimentos ou que estejam fazendo belas obras. Eles não são as pessoas indicadas - eles são todos reformadores. O homem religioso é aquele que não pertence a nenhuma religião, a nenhuma nação, a nenhuma raça, que dentro de si está completamente só, em estado de não-saber. E para ele se concretiza a graça das coisas sagradas.
 
Suponhamos que você nunca tinha lido um livro, religioso ou psicológico, e você teria que encontrar o sentido, o significado da vida. Como você conseguiria isso? Suponha que não existam instrutores, organizações religiosas, nem Buddha, nem Christo, e que você teria que começar do início. Como você encararia isso? Primeiro você teria que compreender o seu processo de pensamento, não seria isso? - e não as projeções dos seus pensamentos para o futuro, que criaram um Deus do seu agrado, isso seria demasiado infantil. Então, primeiro você teria que entender o processo de seu pensamento. Essa é a única maneira de descobrir alguma coisa nova, não é? ...Apenas um agarrar-se a informação, e experiências alheias, ao que alguém disse, por “mais considerada que seja” esta pessoa, e tentar de aproximar sua ação de tudo isso – isso é conhecimento? É? Mas para descobrir algo novo você deve começar por conta própria, você deve começar uma viagem completamente desnudado de tudo, especialmente de conhecimentos, porque é muito fácil, pelo conhecimento e convicções ter experiências, mas estas experiências são apenas os produtos de auto-projeção e, portanto totalmente irreais, falsas.
 
E, finalmente...
Se você tem que criar um mundo novo, uma civilização nova, uma arte nova, tudo novo, não contaminado pela tradição, pelo medo, por ambições, se você tem que criar algo anônimo que é seu e meu, uma sociedade nova, juntos, na qual não há você e eu mas "nós", não será necessário uma mente que é completamente anônima, portanto só? Isto implica que deve haver uma revolta contra a conformidade, não implica? Uma revolta contra a respeitabilidade, porque o homem respeitável é o homem medíocre que quer algo, ele depende de influências para a sua felicidade, do que o vizinho pensa, do que o guru dele pensa, naquilo que o Bhagavad-Gita ou o Upanishads ou a Bíblia ou o Cristo diz. A mente dele nunca está só. Ele nunca caminha só, ele anda sempre acompanhado, em companhia dos seus ideais. Não é importante descobrir, ver, o significado total da interferência, da influência, da instituição do "eu", o qual é o contrário de ser anônimo? Vendo a totalidade disto, não surge imediatamente a pergunta: "É possível criar imediatamente este estado mental que é livre de influência, que não possa ser influenciado pela própria experiência ou pela experiência de outros, uma mente que seja incorruptível, que seja só? Somente então existe a possibilidade de se criar um mundo diferente, uma cultura diferente, uma diferente sociedade na qual a felicidade é possível.

Coletânea de pensamentos de Krishnamurti

segunda-feira, 26 de maio de 2008

domingo, 27 de janeiro de 2008

Mas... é ciência?

Para biólogo, declarações de ministra a favor do criacionismo mostram que cientistas brasileiros não podem mais ignorar o debate sobre limitações dessa pseudociência








Diorama representa paleontólogos em museu criacionista dos EUA, que afirma que o homem conviveu com os dinossauros


SANDRO DE SOUZA


No prólogo do seu livro "But is it Science?" ("Mas é Ciência?"), o filósofo Michael Ruse descreve sua experiência como testemunha no processo movido pela ONG "American Civil Libertation Union" contra o Ato 590, instituído pelo Estado do Arkansas, nos EUA, em 1981, que obrigava o ensino do criacionismo nas escolas estaduais de ensino básico.

O objetivo principal desse ato era contrapor o criacionismo ao evolucionismo, a teoria de evolução das espécies desenvolvida por Charles Darwin e Alfred Wallace em meados do século 19. O testemunho do filósofo foi crucial na sentença do juiz William Overton que, ao dar ganho de causa à ONG, argumentou que o criacionismo não é uma ciência genuína.

As recentes declarações da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendendo a exposição de alunos brasileiros às duas visões (criacionista e evolucionista) trouxeram o debate novamente à tona no país. O movimento criacionista brasileiro vem se organizando de forma efetiva. Organizações como a Sociedade Criacionista Brasileira (http://www.scb.org.br/) e a Sociedade Origem e Destino (http://www.origemedestino.org.br/) existem há décadas.

Antes da ministra, outras figuras públicas (o casal Garotinho) já haviam agido no sentido de inserir o criacionismo nos currículos escolares do Brasil. Nos EUA, o debate criacionismo X evolucionismo ocupa espaço significativo na imprensa há quase um século. Em 1925, por exemplo, o Estado do Tennessee condenou o professor de ginásio John Scopes por incluir a evolução em suas aulas de biologia. Só no final dos anos 1960, a Suprema Corte americana declarou constitucional o ensino de evolução.

A interpretação dos juízes americanos de que o ensino do criacionismo fere a Primeira Emenda da Constituição americana, que dissocia a "igreja" do "Estado", fez com que os criacionistas americanos tentassem caracterizar o criacionismo como uma teoria científica, um contraponto à teoria da evolução.

O ponto principal reside, então na seguinte pergunta: podemos caracterizar o criacionismo como ciência? Há dois componentes conceituais importantes na definição de ciência. Qualquer hipótese ou teoria científica precisa estar baseada em evidências. Além disso, uma hipótese ou teoria científica deve ter uma capacidade preditiva.

Tais predições devem ser então investigadas e testadas por meio de experimentos cuidadosamente desenhados e controlados. É o famoso método científico, que vem sendo usado sistematicamente nos últimos 150 anos para corroborar a teoria da evolução de Darwin. Por outro lado, se avaliarmos a literatura criacionista dita "científica", veremos que não há nenhuma evidência do processo de investigação mencionado acima.

A quase totalidade dessa literatura representa ataques à teoria da evolução e nenhuma evidência positiva a favor do criacionismo. A vedete atual dos criacionistas é o que chamamos de "design inteligente". Suponha que você nunca tenha visto um relógio e repentinamente se depare com um Rolex. A sua primeira impressão é que aquela peça não deve ser um produto do acaso, visto a sua complexidade e seu grau de organização.

Ele tem um "design" e, conseqüentemente, um "designer" (criador). Segundo os criacionistas, tal lógica deveria ser aplicada também a animais e plantas, cuja complexidade é inquestionável. Na opinião dos criacionistas, o "design inteligente" seria científico e como tal deveria ser ensinado nas escolas. Assim como nos EUA, é evidente no Brasil que muito do movimento criacionista está centrado em uma agenda conservadora defendida por grupos de cunho fundamentalista. Esse movimento conservador é politicamente mais forte nos EUA, daí a intensidade dos debates nas últimas décadas.

ResponsabilidadeApesar de esses grupos estarem se fortalecendo politicamente no Brasil, principalmente representados pelos evangélicos, sua influência também deve ser creditada ao vácuo gerado pela falta de um debate consistente sobre as limitações do criacionismo como ciência, cuja iniciativa deveria partir da comunidade científica brasileira. Assumir esta responsabilidade é particularmente crítico em um país como o Brasil, onde algo como o debate criacionismo X evolucionismo pode ser visto como supérfluo em face aos outros problemas no nosso sistema educacional.

Em resumo, espera-se que um currículo de ciências forneça o que há de mais correto no nosso entendimento da natureza. Esse processo passa única e exclusivamente pela adoção dos princípios científicos que vêm norteando a aquisição de conhecimento pela humanidade há séculos. Até o presente momento, tais princípios estão em conflito com a base do movimento criacionista.

SANDRO DE SOUZA , 39, é PhD em bioquímica pela USP e chefe do Laboratório de Biologia Computacional do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, em São Paulo

domingo, 21 de outubro de 2007

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

O aiatolá dos ateus

Richard Dawkins

O aiatolá dos ateus

Richard Dawkins é o líder de uma nova cruzada, desta vez contra Deus

Para expor esse ponto de vista o cientista inglês, professor de compreensão pública da ciência na Universidade de Oxford, publicou no final de 2006 Deus, um Delírio. O livro, que chega este mês às livrarias brasileiras, é um grande manifesto ateu - mas, ironicamente, acabou se tornando um presente de Natal bem popular em países de língua inglesa. Nele, Dawkins afirma que as religiões não são só coisas sem sentido, como monstros de espaguete voadores. Elas também são altamente prejudiciais à sociedade.

"Meu grande sonho é a completa destruição de todas as religiões do mundo", dispara, com sua voz tranqüila, depois de dois minutos de entrevista. A Super conversou com o cientista em sua confortável casa de tijolinhos na cidade inglesa de Oxford onde, sentado no sofá e vestido como um perfeito inglês, de paletó, camisa social e colete de lã, ele completou o raciocínio: "Mas eu sei que isso é ambicioso demais.

Na verdade, eu quero atingir as pessoas que estão em cima do muro. Pensando no assunto, talvez elas percebam que não são religiosas". Radical ateu Dawkins é considerado um dos mais importantes intelectuais do mundo e um dos mais famosos divulgadores de assuntos científicos. Ele já publicou 8 livros, que venderam centenas de milhares de cópias e foram traduzidos em mais de 25 línguas, começando pelo best seller O Gene Egoísta, de 1976.

Do gene ao gênesis

O livro revolucionou a área de biologia evolutiva ao explicar a Teoria da Evolução de Darwin pelo ponto de vista dos genes. De acordo com sua perspectiva, a seleção natural não favorece os organismos mais adaptados à sobrevivência, mas, sim, os genes mais eficientes em se multiplicar. Depois que Darwin provou que os seres humanos não foram criados à imagem e semelhança de Deus - eles evoluíram a partir de animais mais simples -, Dawkins tirou os animais, as plantas e os seres vivos em geral do papel de protagonistas da evolução, afirmando que nós não passamos de máquinas de sobrevivência projetadas pelos genes. Agora volta sua bateria para Deus.

A maior parte das religiões afirma que estamos sendo acompanhados de perto por um ser superior e que isso dá sentido à nossa vida. Uma imagem tão confortante quanto sem sentido, na opinião de Dawkins."Existe um propósito na nossa existência, que é a propagação do DNA. Pode não parecer muito nobre, porque não é o tipo de objetivo que as pessoas procuram", explicou em uma entrevista à BBC. Criado em um lar anglicano, Dawkins descobriu que era ateu aos 17 anos, quando se convenceu de que a Teoria da Evolução de Darwin explicava o mundo muito melhor do que qualquer religião. Mas, só agora, aos 65 anos, decidiu se dedicar de corpo e alma (ops!) a uma cruzada pela ciência e contra o obscurantismo.

Seu objetivo é combater o poder crescentedas religiões como forças absolutas e inquestionáveis - cita como exemplos o fundamentalismo islâmico e o que ele chama de talibã cristão nos EUA. "Supostamente os EUA são um Estado desvinculado de religião, mas George W. Bush está levando o país na direção de uma teocracia, dizendo que fala com Deus e que Deus lhe disse para invadir o Iraque", afirma.

O último iluminista

Para combater esse tipo de atitude, criou a Fundação Richard Dawkins para a Razão e a Ciência, que "tem como objetivo defender a ciência contra os ataques da ignorância organizada", definição que inclui tanto os defensores do ensino de criacionismo quanto as pseudociências (astrologia, homeopatia, ufologia etc.). A fundação pretende financiar pesquisas sobre a psicologia das crenças, apoiar a educação científica e ajudar a divulgação de idéias racionais.

Ele é o primeiro a reconhecer que suas opiniões são polêmicas. "Se você colocar meu nome no Google, vai encontrar um equilíbrio: há coisas muito negativas escritas por gente religiosa e coisas muito positivas escritas por gente não religiosa", se diverte. Ocorre que até entre os ateus existe gente que discorda de suas idéias, como o físico brasileiro Marcelo Gleiser.
"Acho que o Dawkins escreveu um livro provocativo para polarizar ainda mais as tensões entre ciência e religião, o que é inútil", reclama. "As pessoas se sentem ameaçadas pela ciência, achando que ela vai 'matar' os deuses. É essa distorção que os cientistas devem combater, e não a fé. A ciência não quer roubar Deus de ninguém", diz Marcelo.

Não há paz

Bem, não é bem isso que Richard Dawkins pensa. Ele discorda radicalmente da posição liberal de ateus como o paleontólogo Stephen Jay Gould, que afirmava que religião e ciência são assuntos que não se misturam e podem coexistir em paz, cada um ocupando partes diferentes da vida (e da mente) humana. Para Dawkins, isso não passa de duplipensamento, a técnica descrita por George Orwell no livro 1984: acreditar em duas coisas conflitantes ao mesmo tempo.

No caso, o Gênesis e a Teoria do Big-Bang. Em sua opinião, essa posição conciliadora mais atrapalha do que ajuda. Quem não se opõe abertamente às religiões ajuda, com sua omissão, a fortalecer o poder que elas já têm. Ainda assim ele nega que seja um radical: "As pessoas acham isso porque já se acostumaram a falar de religião sempre pisando em ovos", argumenta. "É possível questionar e discordar de alguém sobre economia, esporte ou qualquer outro assunto. Quando se trata de religião, é proibido falar qualquer coisa."

Em termos: as religiões vêm, sim, sendo questionadas em vários livros sobre ateísmo lançados recentemente. Dawkins faz parte desse movimento, ao lado de pensadores como os americanos Daniel Dennett (autor de Quebrando o Encanto) e Sam
Harris (autor de O Fim da Fé). Em sua casa é possível ver várias dessas obras, que são citadas em Deus, um Delírio, pelas estantes, em cima das mesas e até mesmo no banheiro.

Movimento dos sem-deus

O cientista compara a situação dos ateus hoje em dia com a dos homossexuais nos anos 50. Para mostrar o preconceito contra as pessoas sem religião, ele cita uma pesquisa feita pelo Instituto Gallup em 1999. Segundo o levantamento, 95% dos americanos votariam em uma mulher para presidente, 92% em um negro ou judeu e 79% em um homossexual. Mas
apenas 49% colocariam um ateu na Casa Branca."Enquanto o número de judeus nos EUA é muito menor do que o de ateus, eles são muito mais poderosos, pois foram capazes de se organizar e criar lobbies políticos para defender seus interesses", diz Dawkins. "Os ateus americanos, que são entre 20 milhões e 30 milhões, não fazem isso."

Na verdade, é difícil até mesmo perceber que a quantidade é tão grande, porque muitos deles evitam manifestar publicamente sua ausência de crenças. "Muita gente veio me agradecer por ter escrito o que elas não tinham coragem de dizer", se anima Dawkins. "Apesar de não ter escrito o livro pensando nessa conseqüência, agora eu acho que talvez a melhor coisa que ele pode fazer pelas pessoas é encorajá- las a sair do armário."

Ao que parece, a porta do armário foi arrombada: uma pesquisa feita em 2006 pela companhia Harris Interactive mostra que menos da metade dos ingleses, dos alemães e dos espanhóis crêem em Deus ou em algum tipo de ser supremo. Na França, são apenas 27% da população. No Brasil os números ainda são bem diferentes, mas dá para perceber que alguma coisa está ocorrendo (apesar de o questionário do IBGE não incluir a opção "ateu"). No censo de 1991, o número de pessoas que disse não ter religião foi de 4,7%. Já em 2000 esse percentual foi de 7,4%. Para Richard Dawkins, a pior coisa das religiões é a idéia de fé.

Andar com fé

A simples idéia de acreditar em algo que não pode ser provado é capaz de tirá-lo do sério - o que significa, para um britânico tão educado, levantar uma das sobrancelhas. "Fé é algo em que você acredita sem evidência. Pior: quanto mais absurdo o artigo de fé, mais virtuoso é o fato de se acreditar nele." Dawkins crê que a aceitação de dogmas pode levar a sérios problemas. "Disputas entre crenças incompatíveis não podem ser resolvidas com argumentos racionais", disse à revista online americana Salon.

"Cientistas discordam entre si usando fatos e evidências para decidir quem está certo. Mas é impossível argumentar racionalmente se você simplesmente sabe que o seu livro sagrado contém a verdade absoluta dita por Deus, e a pessoa do outro lado pensa a mesma coisa sobre o próprio livro. Não surpreende que, ao longo da história, fanáticos religiosos tenham lançado mão de torturas,execuções, cruzadas, jihads e guerras santas."

Para saber mais

Deus, um Delírio
Richard Dawkins, Companhia das Letras, 2007.
Quebrando o Encanto
Daniel Dennett, Globo, 2006.
O Fim da Fé
Sam Harris, Tinta da China, Portugal, 2007.